Nem gay, nem heterossexual. Jovens rejeitam rótulos e apostam na ‘sexualidade fluída’
iG São Paulo , por Iran Giusti |
- Com o objetivo de tecer um panorama do universo LGBT contemporâneo, a socióloga e professora de História da Arte Milena Costa criou o projeto “Queer Face”, que faz parte da tese de doutorado dela na Universidade Federal do Paraná. Neste trabalho, ela investiga a vida de gays, lésbicas e bissexuais, os retratando em fotos que posteriormente serão exibidas numa exposição.'
Neste trabalho de pesquisa que ela está desenvolvendo, Milena foi surpreendida pela maneira como o grupo dos mais jovens ignora a linha que tradicionalmente separa homossexuais dos heterossexuais. “Para eles, a sexualidade é mais fluída, a polarização entre gay e hétero não é tão acentuada”, constata a socióloga.
“Eles dizem: ‘Sou quem eu sou, sou gay, mas se amar alguém do sexo oposto, vou ficar com ela. Não sou bissexual, necessariamente, mas se tiver atração, tá valendo’”, relata Milena, expondo a maneira de pensar de grande parte dos seus entrevistados mais jovens.
Autora de “O Livro do Amor” (Best Seller), a psicanalista Regina Navarro Lins relaciona essa fluidez sexual dos mais jovens com o fato de a bissexualidade ser mais aceita nos dias de hoje. “Isso não significa que todos serão bi, sempre teremos gays e héteros, mas existe uma abertura da sexualidade, as coisas estão sendo mais expressadas”, pondera Regina.
Para Regina, a bissexualidade deve estar cada vez mais presente nas próximas décadas, vencendo inclusive o estigma que sempre pairou sobre ela. “Antigamente, gostar do sexo oposto e do mesmo sexo era coisa de quem estava em cima do muro”, lembra a psicanalista.
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Para eles, a sexualidade é mais fluída, a polarização entre gay e hétero não é tão acentuada (Milena Costa)
A maquiadora Roberta Glowing , 20, se identifica com esse perfil de sexualidade fluída. “Eu gosto de muitas pessoas ao mesmo tempo, de ambos os sexos. Acho que sou bi, apesar de achar mulher muito mais gostosa. Sou uma lésbica que curte caras, na verdade”, explica Roberta.
Neste espírito de deixar o desejo fluir livremente, Roberta revela que já chegou a se relacionar com meia dúzia de pessoas ao mesmo tempo. “Tudo sempre foi muito aberto. Eu só não continuei com os seis porque me interessei por uma menina, ai fui me afastando das outras pessoas. Mas ainda sou amiga deles e delas”, conta a maquiadora.
Mesmo se definindo como gay, o ator Diego Marante , 25, não vê necessidade em se prender apenas a uma orientação sexual. “Eu nunca me interesso pelo sexo das pessoas, mas pela pessoa em si. Minha atração é por homens, mas meu tesão sempre foi pelo intelecto. Então, se me interesso por uma menina, porque não?”, questiona ele.
Tanto Diego quanto Roberta dizem que seus círculos de amizade levam numa boa essa pluralidade sexual. “Tenho grupos de amigos muito diversos, de virgens às travestis. A maioria encara bem, me respeita e me apóia muito. Eles dizem que eu tenho cabeça aberta, me ouvem bastante”, relata a maquiadora.
Professora de Psicologia para Educação da PUC-SP, com trabalho voltado para o estudo do comportamento jovem, Ana Bock percebe que aceitação da bissexualidade de fato tem aumentado na sociedade, numa consequência direta da ampliação do acesso à informação pela população.
“As questões de sexo vem sendo debatidas desde o movimento hippie e, há poucos anos, os debates se intensificaram. Os jovens e as pessoas das outras faixas etárias conversam mais nos dias de hoje. Muitas famílias já conseguem lidar de forma mais tranquila com essa discussão”, pontua Ana, que cita a influência da internet, especialmente quando ela é utilizada adequadamente. “Você pode buscar informações, ver coisas que não veria em outro lugar”, prossegue.
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Eu nunca me interesso pelo sexo das pessoas, mas pela pessoa em si (Diego Marante)
Ana lembra que na era pré-web o acesso à informação era muito mais restrito. “Para se informar, as pessoas tinham que recorrer às revistas proibidas, por exemplo. A internet coloca sobre a mesa a questão da sexualidade”, analisa a psicóloga. “O jovem de hoje é apropriado de informações, lidando melhor com a própria sexualidade”, acrescenta.
No entanto, a ginecologista Albertina Duarte Takiuti , coordenadora do Programa de Saúde Adolescente do Estado de São Paulo, pondera que ainda há muito preconceito com a liberdade sexual alheia, o que acaba causando dificuldades que não podem ser ignoradas.
“Nas ultimas pesquisas realizadas na Parada Gay de São Paulo e também pela secretaria da Saúde, 30% dos LGBTs adolescentes afirmam já ter sofrido bullying ou algum tipo de agressão”, informa Albertina, que entende que a representação da diversidade sexual na internet e nas outras mídias ajuda na diminuição do preconceito, mas que isso ainda não é o suficiente.
“Existe uma carência muito grande de ter com quem falar por parte dos jovens. É bom ter artista, novela falando dessa questão, porque isso ajuda o jovem a experimentar mais. Mas ainda falta debate”, conclui Albertina.
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